Crítica | Encontros e Desencontros (2003) - Bob e Charlotte constroem uma amizade em meio ao vazio e o tédio de suas vidas
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Bill Murray (Bob Harris) Reprodução: IMDB |
Originalmente intitulado Lost In Translation (Perdido Na Tradução), fazendo alusão a uma expressão americana, em que, mesmo onde uma palavra seja traduzida corretamente, ainda assim, alguma coisa perde-se do contexto da frase, o que dialoga diretamente com a história dos personagens de Encontros e Desencontros.
Escrito e dirigido por Sofia Coppola (filha de Francis Ford Coppola), o longa gira em torno da vida de Bob Harris (Bill Murray), um ator de meia idade que viaja à Tóquio para gravar um comercial de Uísque no valor de 2 milhões de dólares, entretanto, dinheiro não é sinônimo de felicidade, visto que, seu casamento de 25 anos está em crise, e as conversas com a esposa resumem-se em poucas palavras acerca da reforma da casa em que vivem e sobre montagem de móveis. Enquanto Charlotte faz a esposa modelo, (Scarlett Johansson) acompanhando seu marido que está em Tóquio trabalhando como fotógrafo, e vive demasiadamente ocupado, não dando a devida atenção para ela. Em uma determinada noite, Bob e Charlotte encontram-se por acaso no bar do hotel em que ambos estão hospedados, e começam a observar um ao outro, dando início a uma bela amizade.
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Scarlett Johansson (Charlotte) Reprodução: IMDB |
De forma sensível e satisfatória, Coppola em conjunto com a direção de arte e de fotografia (Lance Acord- Onde Vivem Os Monstros), nos permite refletir a respeito de como é estar solitário, e de como é difícil ter que lidar com escolhas em nossas vidas. E inclusive, ressalta o obstáculo de adaptar-se em um país de cultura totalmente inversa à nossa, como por exemplo, Bob e Charllote têm dificuldades para adormecer devido ao fuso horário diferenciado do Japão. Através do trabalho belíssimo da cinematografia, acentuando a solidão dos personagens através da Mise-en-Scene, com enquadramentos que refletem o sentimento deles naquele momento, como a cidade desfocada ao fundo (Nos faz recordar de HER), demonstrando o quanto Bob e Charllote estão distante da cultura japonesa, bem como, de si mesmos.
Os minutos em que eles estão deitados e a câmera enquadra não apenas os personagens mas, o lado da cama vazio. Não esquecendo da excelente trilha sonora de Kevin Shields que encaixa perfeitamente com a montagem de cada plano deixando as cenas mais harmoniosas. Em muitas passagens do filme, vemos o quão frustrado Bob está com seu casamento, entretanto, continua imerso no tédio, na falta de prazer em estar naquela situação, ele não consegue sair da zona de conforto e segue preso em uma convivência sufocante, sem efeito positivo nem para si próprio, e nem para a esposa, Lydia.
Por sua vez, Charllote, formada em Filosofia, não compactua de vínculos fortes com Jhon, o relacionamento dos dois é bastante raso. Logo no início do filme a vemos chorando e conversando no telefone, quando questiona-se: “Eu não sei com quem eu me casei”. Ela não tem proximidade com as amizades dele, como é o caso da garota esnobe e egocêntrica, (Anna Farris), que é uma das melhores amigas de John e também está hospedada no mesmo hotel. Charllote vê-se perdida no casamento, uma vez que, ele está mais ausente do que deveria, dedicando-se integralmente à fotografia. As poucas conversas que tem com a esposa consiste em falar sobre o quanto o cigarro pode fazer mal para ela e outras coisas fúteis do seu emprego. Ela quer mais, entretanto, parece não ter coragem o suficiente para dizer isso à ele, e prossegue na bolha que a reprime e não a permite viver.
Quando Bob conhece Charllote no bar, rapidamente ele se vê encantado pela jovialidade da moça, mas acima disso, ele enxerga nela uma parte dele, e vice-versa. Percebemos que uma amizade sincera nasce entre os dois, e eles saem pelas ruas da cidade, conversam, vão até um karaokê, assistem à filmes juntos, divertem-se muito, e conseguem distanciar-se de seus relacionamentos conturbados, até que em dada circunstância precisam retornar ao pesadelo. A cada novo encontro entre eles uma nova descoberta, e o espectador consegue ter empatia pelo drama que eles vivenciam, até mesmo conseguindo se enxergar mergulhado em alguma situação semelhante. O roteiro tem um bom desenvolvimento trazendo dinamismo e liquidez à narrativa, preenchendo com diálogos visuais adoráveis, fazendo o espectador sentir o que está acontecendo sem necessariamente dialogar verbalmente.
O deslumbrante Bill Murray, aos 52 anos, consegue passar veracidade e transformar Harris no homem melancólico, sensível e ao mesmo tempo sagaz, com um humor ácido que brinca com seus próprios deslizes, não obstante, refletindo obviamente, o quanto de decepção carrega em sua alma. (vide Theodore em Her).
Em contrapartida, Scarlett Johansson, aos 19 anos, faz a típica garota perfeitinha, com uma beleza natural, sem muita maquiagem, transmitindo os aspectos emotivos de sua personagem de maneira delicada, principalmente por meio do seu olhar com os enquadramentos mais fechados. A dinâmica entre Murray e Johansson em cena é fluida e radiante. É perceptível uma tensão sexual que surge naturalmente entre Harris e Charllote, todavia, não soa forçado, uma vez que, o que chama a atenção em Bob, é seu cinismo, seu sarcasmo, sua melancolia tão facilmente notável. Sua experiência, destoando do marido que era unicamente profissional. A jovem sente-se atraída por um conjunto de fatores que faz Harris ter um significado a mais para ela.
Tem uma cena maravilhosa no decorrer da narrativa que é trabalhada brilhantemente pela Sofia, e que é fundamental para o desfecho da história deles. A diretora e escritora não preocupa-se exatamente em querer contar para o espectador o que Harris sussurra no ouvido de Charllote, o que nos deixa com a pulga atrás da orelha em relação às decisões finais que eles tomaram. (Se falar mais alguma coisa, será um spoiler enorme), mas a cena é linda e acontece no ápice do último ato.
Encontros e Desencontros é um bom filme, com atuações marcantes, uma direção competente por parte da Sofia Coppola em conjunto com a direção de fotografia. A montagem do filme é outro fator importante, a todo instante nos fazendo enxergar o estado de espírito dos personagens. Um plano que acabou incomodando um pouco, foi o do karaokê, que torna-se um pouco extenso, contudo, não é desnecessário. O restante tem cortes precisos, intercalando as cenas dos personagens e dando profundidade a eles, e é isso que faz o filme funcionar, tornando o filme de Sofia Coppola uma obra relevante.
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