Pular para o conteúdo principal

Crítica | La Jetée (1962) - Uma visão reflexiva sobre as memórias o amor e a morte

Reprodução: IMDB


E se pudéssemos vislumbrar o dia da nossa morte? Se por um instante, essa imagem fixasse em nossa mente a ponto de nos confundir e nos fazer apaixonar por esse relance tão trágico em seu final, nós nos entregaríamos a esse retrato tão bem delineado coexistente com a vida?

Em La Jetée, a morte é personificada na paixão feroz, de um homem por uma mulher (Hélène Chatelain), uma mulher que nada mais é do que a figura de si mesmo capturada durante sua infância. Uma imagem perturbadora cujo seu significado seria descoberto por ele algum tempo mais tarde de uma forma visceral e cruel.

Logo nos primeiros minutos, o filme nos faz refletir acerca das nossas memórias, até que ponto podemos confiar nelas? Memórias tão fragmentadas, uma vez que o tempo passa, tornando as lembranças, anteriormente claras, agora, turvas, podendo nos pregar peças. Não é difícil deixar se de identificar com o homem do aeroporto, pois ele facilmente pode ser o espectador com suas próprias memórias difusas.

A narrativa se passa no subterrâneo de uma França devastada pela guerra em que, os prisioneiros que sobreviveram aos ataques são submetidos a experimentos de viagem no tempo para tentar encontrar uma maneira de trazer novamente a esperança para a humanidade. A transitoriedade do mensageiro através do tempo passado e futuro ajudaria a restabelecer o presente, com o envio de comida, remédio e fontes de energia.
A partir deste momento, embarcamos em uma viagem poética por meio das imagens que o diretor e fotógrafo Chris Marker nos proporciona. Por exemplo, em uma das cenas onde o homem (Davos Hanich) acorda no tempo passado, ele tem a mulher ao seu lado, o percebemos imerso na felicidade, mesmo que por alguns instantes, ele se sente afortunado e seguro naquela ocasião. 

Em outros momentos, a câmera nos olhos da mulher deitada na cama, o ângulo em que seu rosto é captado, rapidamente mudando até se tornar não mais imagens estáticas mas com movimentos, nos diz o quanto aquele homem tem a figura daquela mulher muito forte e viva em sua mente, é apaixonante. Curioso notar que ela quase sempre vestida com roupas escuras, uma possível alegoria de que aquela doce mulher, a coisa mais linda e amável que ele tinha por perto, era também o símbolo de obscuridade, morte, perda, algo que ele descobriria adiante. O viajante, por sua vez, de branco, representando a inocência, vivendo aquele período como se não houvesse ameaça, só a singeleza do momento. Inclusive, em algumas das jornadas, o cenário está desfocado, como se o tempo estivesse parado para os dois, e nada mais importasse ao redor.

A ideia de trazer fotografias intercalando com voz over foram sensacionais, uma vez que e a montagem é impecável, com cortes precisos, trazendo ritmo para a narrativa. A escolha de imagens em preto e branco é um elemento estético assertivo, pois o diretor pôde brincar com a concepção da dualidade de bem e mal, da manipulação entre luz e sombra, conduzindo a história para um tom melancólico e sombrio.

A poesia de La Jetée reside justamente no trabalhar de conceitos filosóficos e ficcionais, como a morte, as memórias, a viagem no tempo que é um grande fascínio da humanidade. Acredito que qualquer ser humano em dado momento de sua vida sentiu a necessidade de voltar ao passado para fazer escolhas diferentes, para ver novamente uma pessoa amada que já morreu; mas o que mais me chama a atenção é o momento em que o homem fez sua primeira viagem para o futuro, onde a França está agora reconstruída, mas ele não quer viver ali, ele quer voltar e morar no passado, morar na imagem idealizada que ele nem ao menos tem certeza se é real, construída por ele ou meramente fruto dos experimentos que aconteceram no subterrâneo de Chaillot.

Os enquadramentos dos planos geralmente fechados somando-se à trilha que desde o início é impactante, uma ambiguidade sonora de destruição e catarse, nos permite mergulhar de cabeça no enredo que foi um grande marco da Nouvelle Vague e considerado um dos melhores curtas-metragens de todos os tempos. Chris Marker foi feliz em nos presentear com uma obra de extrema sensibilidade, refletindo a respeito de temas onde o amor, nostalgia, a fixação por uma imagem de infância nada mais é do que a sensação de conforto e ao mesmo tempo a fuga de um evento eminente que encerrará o nosso ciclo. A vida e a morte caminham em uma linha tênue e nossa consciência cria cenários para escaparmos deste dia imprevisível, porém inevitável, onde estaremos cara a cara com a nossa inimiga mordaz.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Crítica | Os Estranhos: Caçada Noturna (2018) - O filme é basicamente uma homenagem aos clássicos dos anos 70/80

Os Psicopatas Mascarados- Reprodução: IMDB Dez anos se passaram desde a estréia de Os Estranhos , filme onde um casal é perseguido por psicopatas mascarados durante toda uma madrugada, em uma atmosfera de suspense e tensão crescente. Em contrapartida, Os Estranhos: Caçada Noturna , a aguardada sequência pelos fãs, não foi mais do que uma homenagem a filmes clássicos da década de 70 e 80. O primeiro filme dirigido por Bryan Bertino (roteirista e produtor executivo da sequência) consegue envolver apesar do ritmo desacelerado, mas em Caçada Noturna parece que os personagens estão andando em círculos, e mesmo com uma duração curta semelhante ao primeiro, dá a impressão de um filme mais longo devido ao roteiro desonesto. A trama acompanha uma família prestes a fazer uma última viagem para um parque de trailers de parentes da família, onde logo depois os pais irão mandar a filha adolescente problemática para um colégio interno. Mas a viagem que deveria ser divertida e ref

Crítica | IT- A Coisa (2017) - Uma das melhores adaptações recentes do mestre Stephen King

Reprodução: IMDB IT- A Coisa é mais uma das adaptações do escritor Stephen King, o mestre do terror. Essa é a segunda adaptação do livro de mais de 1000 páginas que foi publicado em 1986, tendo uma minissérie e posteriormente um telefilme exibidos na década de 90, onde o palhaço Pennywise foi interpretado por Tim  Curry (Todo Mundo Em Pânico 2). A história se passa na pacata cidade de Derry no Maine, onde um grupo de adolescentes conhecidos como o “ Clube dos Perdedores ” precisam enfrentar de tempos em tempos uma criatura maligna personificada na forma de um palhaço conhecido como Pennywise. O filme tem o roteiro de Cary Fukunaga (Sin Nombre) e a direção do argentino Andy Muschiett (Mama), que trabalha muito bem a amizade, companheirismo, descoberta, aceitação e enfrentamento; que são os elementos primordiais do filme, tendo como ambientação o terror causado pelo palhaço. Durante o longa, sentimos a constante evocação de obras como: Conta Comigo , Os Goonies , Clube Do

Crítica | Um Lugar Silencioso (2018) - John Krasinski surpreende com ótima direção em seu primeiro filme de terror

Já diz o velho provérbio popular que, “o silêncio vale mais que mil palavras”, e devo concordar, uma vez que, em Um Lugar Silencioso, novo Thriller do diretor John Krasinski (The Office), eu diria que o silêncio é a chave para a sobrevivência. Devo dizer que o longa é uma excelente surpresa, nos empurrando em uma atmosfera digna de filmes de M. Night Shyamalan (Suas primeiras obras) inclusive, com cenas em um milharal remetendo ao filme Sinais , que despontou nos cinemas em 2002. O filme tem início no que se chama In Medias Res, nos deixando no meio dos acontecimentos, onde uma grande invasão acometeu a terra, e criaturas assombrosas dizimou boa parte da população mundial, nesse cenário, somos apresentados ao casal de protagonistas, juntamente com seus filhos em um mercadinho pegando mantimentos, no dia 89 depois do ocorrido. Krasinski nos conduz por um caminho de tensão que se inicia nas primeiras cenas evoluindo rapidamente até o seu ápice, com enquadramentos fechados foc